Ninguém provocou tantos sobressaltos a Salazar como Hermínio da Palma Inácio – o lendário guerrilheiro dos mais ousados golpes contra a ditadura, o herói romântico.
Dia 10 de Novembro de 1961. O Super-constellation da TAP Mouzinho de Albuquerque descola à tabela do Aeroporto de Casablanca, em Marrocos.
Hermínio da Palma Inácio entra de surpresa pela cabina de pilotagem – e aponta o revólver à cabeça do comandante: “Isto é uma acção revolucionária. Não quero fazer mal a ninguém” – diz.
Nunca, na história da aviação comercial, um avião fora tomado no ar. O plano dos revolucionários é arriscado: pretendem seguir na rota para Lisboa, simular a aterragem na Portela e voltar para trás, em voo rasante sobre a capital, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, para lançarem 100 mil panfletos com apelos à revolta popular contra a ditadura.
O comandante Marcelino disse que o avião não tinha combustível para regressar a Tânger. Mas Palma Inácio, que era mecânico de aviões e tirara nos Estados Unidos a licença de piloto de linha aérea, estava seguro do que fazia. Exigiu os registos de voo do Super-constellation – e verificou que os tanques tinham sido atestados em Casablanca. Havia gasolina à farta. O comandante tentou outro truque: “Como é que vai lançar os papéis? Eu não posso abrir as janelas do avião” – disse José Marcelino. A resposta de Palma calou-o: “Pode, pode. Voa o mais baixo possível, despressuriza as cabinas e abrimos as janelas de emergência.” Palma Inácio tinha a situação dominada.
O comissário de bordo Orloff Esteves e as duas assistentes, Maria del Pilar e Luísa Infante, aceitaram participar naquele momento histórico – e até ajudaram a lançar os panfletos.
A cerca de meia hora de Lisboa, momentos antes de iniciar os procedimentos de descida, o comandante Marcelino contacta a torre de controlo – e recebe autorização para aterrar na pista 05. Faz a aproximação – mas, no último momento, acelera os quatro motores a hélice: o avião ‘borrega’ sobre a pista, ganha altura e afasta-se do aeroporto.José Marcelino volta a comunicar com a torre – e tenta explicar ao controlador, por meias palavras, que a bordo o obrigam a fazer um voo rasante sobre Lisboa e outras cidades a sul. “Repita lá?” – dizem-lhe da torre. A comunicação é interrompida pela voz de um general da Força Aérea, Costa Macedo – que pilotava um monomotor, percebeu tudo e deu o alerta. Minutos depois, dois caças F-84 levantam voo da Base de Monte Real: descolam com ordens para abaterem o avião da TAP caso não conseguissem obrigá-lo a aterrar em solo português.
O Super-constellation iniciou então um perigoso jogo do gato e do rato. O avião teria de voar baixo, a escassos 100 metros de altura, para fugir aos radares e iludir os caças. A manobra era perigosa, só ao alcance de pilotos de elite. Os seis revolucionários tinham levado 100 mil panfletos, impressos em fino papel de seda, na bagagem de mão. O avião passou a rasar a estátua do Marquês de Pombal, sobrevoa a Baixa, guina sob Alcântara. Uma chuva de papéis cai sobre Lisboa – o mesmo no Barreiro, Setúbal, Beja, Faro. Cem mil panfletos voaram das janelas do avião. A missão estava cumprida.
O Super-constellation, como estava previsto, aterrou no Aeroporto de Tânger, em Marrocos, às 12h50 de 10 de Novembro, sexta-feira. A operação mereceu honras da Imprensa internacional – era o que os revolucionários pretendiam.
Salazar espumou de raiva.
Após ter sobrevoado Faro, onde largou a última carga de panfletos, o comandante Marcelino continuou a voar a baixa altitude sobre o mar para não ser apanhado pelos radares. Os pilotos avistaram dois navios de guerra. Só havia uma maneira de fugir à artilharia: mergulhar até meia dúzia de metros da linha água e passar entre os dois – e foi isso mesmo que fez José Marcelino.
Já em Tânger, quando o avião aterrou, todos brindaram ao êxito da operação com o champanhe que havia a bordo. “Eu tratei-os bem”, recorda o comandante. Apanhou um mês de suspensão. A PIDE desconfiou que ele estava ‘feito’ com os ‘subversivos’. Marcelino não devia ter feito este voo: trocou de avião porque andava caído pela assistente de bordo Luísa Infante e queria ir com ela para Marrocos.
Grande Hermínio :)
Nota: Noticia tirada do Correio da Manhã
sexta-feira, novembro 10, 2006
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1 comentário:
O artigo está escrito de uma forma muito engraçada, faz parecer aquilo uma grande aventura... mais um bocado e até dava um filme de acção! :P
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